A escolha pelo catamarã foi uma tarefa difícil. Após vender meu primeiro veleiro, o valente Atoll, um monocasco de apenas 23 pés, havia chegado a hora de escolher o barco “definitivo”. O texto a seguir foi extraído do livro “Adhara – Navegando de São Luís a Santos”. O livro você pode comprar aqui, no Amazon.
…
Com o dinheiro na mão, minha cabeça agora estava voltada para o barco definitivo. Eu não pretendia escolher um barco muito maior que 32 pés, pois com o Goludo aprendera a não depender de tripulação para navegar.
Precisava ter a liberdade de velejar sozinho não apenas quando quisesse como também quando precisasse. Em outras palavras, barcos maiores carecem de mais tripulantes para uma operação segura – pelo menos barcos comuns, enfim aqueles para orçamentos restritos como o meu.
Alguns modelos que me fascinavam eram o Delta 32, o Skipper 30 e o Multichine 31. Os dois primeiros mais regateiros, barcos que privilegiam o desempenho em detrimento ao conforto. Já o último é um barco de cruzeiro[1], de projeto conservador e mais apropriado a travessias.
O problema é que aquelas minhas opções eram todas de veleiros de verdade. E veleiros de verdade adernam quando navegam em orça[2], contra o vento. Porém, se para quem veleja com frequência, inclinar o barco em orça chega a empolgar, o fato é que para leigos, pode ser apavorante.
Entre os leigos do meu convívio poderia incluir minha filha ainda bebê, minha esposa, toda minha família e noventa por cento dos meus amigos. Certamente minha turma não era da vela e eu pensava em como lidar com isso. Será que haveria um barco que veleja mas que não aderna? A resposta para esta pergunta seria encontrada quase sem querer.
Primeiro encontro
Uma noite, vasculhando anúncios de barcos usados na internet, me deparei com um pequeno catamarã de 30 pés fabricado em São Luís do Maranhão. Inegavelmente o barco era estranho e elegante, pelo menos pra mim.
Os catamarãs possuem dois cascos unidos por vigas estruturais e uma plataforma central. Enquanto os cascos são mais estreitos que nos monocascos[3] de mesmo comprimento, por outro lado possuem uma enorme área de convívio na plataforma central.
O valor pedido pelo barco do anúncio estava um pouco acima do que eu procurava, mas era justificável pelo tamanho da área útil. A escolha pelo catamarã não parecia viável.
Mas quanto mais eu examinava aquele anúncio, mais eu queria investigar o modelo. Porém, as poucas fotos do interior só serviram para aguçar ainda mais a minha curiosidade. De fato quanto mais eu pesquisava sobre desempenho do modelo, apenas mais dúvidas surgiam.
O blog do Alex
Até que um dia descobri o Alex, um médico de Salvador que compartilhava a construção do seu catamarã em um blog. Além de fotos da evolução da obra havia diversos posts fazendo comparações altamente tendenciosas entre catamarãs e monocascos tradicionais.
Uma paixão estava nascendo e nesse meio tempo a escolha pelo catamarã ganhando força. Mas aquele barco do anúncio já havia sido vendido e não consegui encontrar nenhum outro à venda.
Resolvi então entrar em contato com o estaleiro e o orçamento que recebi para um barco novo foi animador. O prazo de construção de 18 meses e o parcelamento neste período cabia no meu orçamento.
O problema é que na pesquisa por mais informações sobre o barco acabei encontrando um fórum náutico online onde um cliente relatava uma série de problemas com prazo de entrega e alteração de custo de um barco do mesmo estaleiro.
Minha intuição e a análise das postagens me levaram a crer que o problema era o cliente e não o estaleiro. De fato, mais tarde viria a descobrir que o problema estava mesmo era nas duas pontas daquele conflito.
Viés de Confirmação
Inconscientemente a decisão pelo catamarã já estava tomada e eu teimava em me enganar com uma falsa cautela para finalmente bater o martelo. Ótimo exemplo de viés de confirmação, que acontece quando você já se decidiu sobre algo e fica procurando elementos que confirmem o caminho que quer seguir.
Recebi uma proposta oficial do estaleiro, mas não fecharia negócio sem conhecer o barco pessoalmente. Foi dessa forma que conheci o Filipe, do catamarã Teimosia. Ele já fazia charters no Rio de Janeiro e assim combinei de fazer um passeio no barco dele com pernoite. A data coincidiu com a estreia da Argentina no Maracanã durante a copa do mundo de futebol no Brasil. Meus amigos Marcelo e Everaldo foram comigo.
Test-drive
Ao avistar o barco pela primeira vez, ainda no flutuante, a sensação foi indescritível. Tantas horas de namoro virtual e agora estava ele ali ao meu alcance. E nem era o meu barco, era o barco do Filipe.
O fato engraçado deste passeio foi que o motor do barco estava em reparo de última hora e assim saímos empurrados apenas por um motorzinho de popa de 2hp. Com o motor reserva nossa velocidade máxima era de um nó e meio, ou seja, cerca de dois quilômetros e meio por hora. A ausência de vento completou o cenário desfavorável para navegação.
Mas quem disse que tudo isso importaria? Eu amei o barco mesmo assim e a decisão havia sido tomada. Viés de confirmação.
Após o charter do Teimosia o acordo com o estaleiro foi fechado e então marquei uma viagem para São Luís para conhecer as instalações, os donos e para assinar o contrato. Havia um grupo de clientes se formando para o mesmo barco e assim o meu seria o 5º ou 6º da fila. O primeiro e o segundo barco já estavam iniciados, bem como o barco do Alex que estava em acabamento.
A escolha pelo catamarã mudaria minha vida para sempre.
[1] Barco de Cruzeiro. Barco mais apropriado para longas viagens e/ou para morar a bordo.
[2] Orça. Quando o barco veleja contra o vento.
[3] Monocasco. Termo que diferencia uma embarcação de apenas um casco daquelas com dois ou mais cascos (multicascos).