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Morar a bordo e viver de Charter?

Charter

Morar a bordo e viver de Charter se tornou quase uma obsessão para muitas pessoas. Ainda mais quando lembramos que a pandemia nos obrigou a adotar diversas mudanças de comportamento e de consumo. De fato, muitas pessoas passaram por verdadeiras crises existenciais durante o insano confinamento que nos foi imposto. Certo ou errado, é neste cenário que ganharam força aqueles projetos de vida que até então não passavam de meros sonhos distantes. Muitas pessoas decidiram trabalhar em home office, fazer do hobby um negócio próprio ou simplesmente mudar de profissão. Em comum a estes novos rumos, a meta de desacelerar para curtir o tempo de vida restante.

Neste contexto todo, uma das maiores maluquices que muitos resolveram pôr em prática foi largar o emprego tradicional, vender ou alugar seu imóvel, se livrar de uma infinidade de pertences e comprar um veleiro para morar a bordo e viver de charter. Solteiros, casais e até mesmo famílias inteiras com crianças se deixaram influenciar por canais de Youtube e contas de Instagram. Em meio a toda essa empolgação resolveram partir para uma nova vida pelo litoral do país. Alguns outros, mais corajosos, partiram mundo a fora.

O grande problema aqui é que as mídias sociais, muitas vezes com produção impecável e argumentos sedutores, em geral dão ênfase àqueles momentos “instagramáveis”. Seja de propósito ou não, aparentemente é muito mais fácil, gratificante e rentável mostrar os momentos de paz e contemplação a bordo. Já os perrengues, os momentos de tédio e os cansativos trabalhos de manutenção e limpeza, tudo isso fica em segundo plano. 

Viés de confirmação

Claro que vemos manutenções e perrengues nestes canais. Mas vale lembrar que nossa mente nos prega algumas peças quando queremos muito provar uma linha de raciocínio que nos agrada. Então vemos o comandante mergulhar para limpar o casco do barco e no corte seguinte ele retorna dizendo que “deu trabalho, mas valeu a pena”. Nosso viés de confirmação vai nos impedir de realizar que a água estava fria, que as mãos saíram raladas e que o cansaço daquelas 2 horas de tarefa cansativa e braçal vai nos condenar ao descanso pelo menos até o dia seguinte. 

Sim, claro que existe aquela velejada de fim de tarde com mar e vento calmos. Com aquele pôr do sol espetacular regado a golfinhos que acompanham o barco. E mesmo aquela noite romântica com os proprietários curtindo um vinho a dois sob um céu estrelado. Isso tudo existe de verdade, mas é preciso entender que esta é apenas a cereja de um bolo. Um bolo que deu, e sempre vai dar, muito trabalho para ser preparado e servido. São aquelas agruras inerentes à vida a bordo que consomem a maior parte do nosso tempo, mas que em geral tornam os momentos especiais ainda mais memoráveis.

Fui morar a bordo. E agora?

Como em toda mudança, uma vez morando a bordo do veleiro, a fase mais complicada será a adaptação. Se os novos habitantes do barco não se prepararam, com por exemplo vivências a bordo de barcos alugados ou de amigos, certamente será um choque. Contratar outros barcos para charters de fim de semana ou mais dias é um bom começo para desvendar a vida a bordo. Mas lembre-se que nestes casos, normalmente haverá um skipper para cuidar das tarefas chatas e necessárias e principalmente para ser o responsável pelo que acontecer a bordo.

Além disso, imagina-se que no embarque para um charter o barco já estará limpo, abastecido e com a manutenção em dia. E, melhor ainda, no final do passeio você também não vai se preocupar com essas coisas. Os felizes hóspedes do charter, assim como nas mídias sociais, provavelmente terão contato apenas com as cerejas do bolo. Já morando a bordo, os moradores é que terão que realizar as tarefas chatas e cansativas. Ou, pior, terão que pagar para que alguém as realize.

Uma boa dica então para quem quer morar a bordo e viver de charter é adquirir um barco menor para experimentar pequenas estadias. Com este barco, procurar fazer por conta própria as manutenções e a limpeza. E quando tiver que contratar prestadores de serviços por falta de conhecimento, participar da tarefa para aprender. Sim, morar a bordo realmente não é coisa para quem é preguiçoso ou está acomodado.

Morar a bordo e viver de charter – É viável?

Uma última ilusão que precisa ser citada é que, uma vez morando a bordo, a pessoa vai poder viver de charter. Obviamente, pode acontecer. Mas este tipo de pensamento em geral está recheado de falsas premissas. E é o mesmo equívoco de quem acha que pode pagar suas contas apenas dirigindo para aplicativos de transporte. Houve sim uma época de ouro para os motoristas de aplicativo. Mas esse tempo passou pois o mercado saturou de motoristas e quem continua na atividade é porque não faz as contas como deveria. Na realidade, simplesmente não percebe que não vale a pena.

De concreto, para quem mora a bordo, fazer charter pode ser uma boa atividade por dois motivos. O primeiro, e mais importante, é obviamente pela geração de receita. Trata-se de um dinheiro que vai ajudar muito a pagar as despesas do barco e do dia-a-dia da tripulação. O segundo, talvez ignorado até pelos mais experientes, é a interação com pessoas diferentes. Uma simples quebra de rotina que faz muito bem pois em geral, clientes de charter são pessoas agradáveis que buscam vivenciar novas experiências e que normalmente se deliciam com as histórias do comandante. 

Morar a bordo e viver de charter – realidade ou ilusão?

Mas então por que viver de charter tende a ser uma ilusão? Primeiro porque antes mesmo da pandemia já existia um bom número de pessoas, em geral muito experientes, oferecendo esse tipo de serviço. Em segundo lugar, ainda que a pandemia e as mídias sociais tenham incrementado a quantidade de potenciais clientes, como vimos acima muitos novatos já partiram para a empreitada de oferecer suas moradias flutuantes para visitantes.

E então percebemos que ainda mais que em outros setores da economia, após a pandemia houve um boom na náutica de lazer. O dólar subiu e a procura por barcos-casinha disparou. O preço destes barcos triplicou. As despesas também subiram, como por exemplo combustíveis, peças, serviços e até mesmo as vagas nas marinas que em geral estão lotadas. Em contrapartida, o mercado de charter saturou e deste modo os valores das estadias despencaram. Isto é fato, vivenciado por mim no meu dia-a-dia.

Isso tudo mostra que é preciso muita cautela na decisão de mudar para um barco apostando suas fichas no ramo de charter náutico. Basta lembrar que o barco é uma ativo que se desvaloriza por desgaste mesmo parado em uma marina. Se você tiver sucesso, trabalhar muito, se tornar uma referência no oferecimento de charter na sua região, o desgaste do seu barco será ainda maior. E em algum momento o preço será cobrado nas velas, nos eletrônicos, nos motores e em tudo mais a bordo. São despesas que não costumamos considerar nos valores que oferecemos aos nossos clientes pois se assim o fizéssemos, não venderíamos nossos passeios.

Conclusão

Sim, é verdade que existe aquele casal do youtube que parece viver de charter – e possivelmente de likes. Ou mesmo aquele velho lobo do mar com um barco clássico que inspira vários seguidores virtuais. Mas o que devemos nos perguntar é: essas pessoas que nos inspiram, elas moram a bordo vivendo apenas de charter ou elas têm alguma outra atividade ou recurso para complementar a renda? Porque este sim é o cenário ideal,  que vai funcionar tornando a vida a bordo realmente agradável e principalmente viável.

About the author

Sou velejador há mais de 10 anos. Durante cerca de 25 anos trabalhei na área de TI no mercado financeiro até que decido desacelerar e ganhar a vida com o que realmente me faz feliz – a vida no mar. Filho e netos de pescador caiçara, sou Capitão Amador licenciado pela Marinha do Brasil. A minha maior façanha foi ser o comandante da incrível viagem inaugural do veleiro Adhara desde São Luís do Maranhão até Santos. Essa travessia durou 40 dias percorrendo mais de 2.300 milhas náuticas (cerca de 4.000km). Esta aventura rendeu o livro "Adhara Navegando de São Luis a Santos" que pode ser adquirido impresso ou digital no Amazon.

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